A musa do Posto Paris

Adriana Meis
2 min readMay 13, 2022
Erato, musa da poesia (1870), de Sir Edward John Poynter (1836–1919)

A musa catou a bolsa, saiu do galpão e atravessou a rodovia até a parada. O ônibus veio logo, pontual e quase vazio. Ela embarcou, liberou a catraca com o metrocard e se instalou do lado direito para ver o rio.

A musa trabalha na regional Paraná da subsidiária brasileira da multinacional grega. A sede da regional é na capital. De suas instalações no Contorno Leste (pertinho da Renault), a Musas Paraná atende Curitiba e região, o interior do estado (menos o Norte, coberto pela matriz paulista) e boa parte de Santa Catarina.

O acesso rodoviário é apenas uma das vantagens dessa localização. A outra é o acesso à água. As musas, todos sabem, dependem desse elemento para fazer seu trabalho.

Quando o ônibus passou pelo rio, a musa esticou o pescoço e tentou ver algo do curso agonizante. Lembrou-se da vez em que propôs ao chefe usarem camisetas com os dizeres “Inspire como uma Iguassúgide”.

O pessoal da regional não gosta do epíteto porque sugere sujeira. A musa gosta por isso. Chama atenção para o descaso com o Iguaçu. No fim das contas, a ideia das camisetas foi vetada pelo chefe. Muito política.

Enquanto a musa devaneava, o ônibus embicou no Terminal Guadalupe. Ela desembarcou e subiu as ruas masculinas em direção ao Centro Histórico. Avistou um chafariz com uma cabeça de cavalo e sorriu para a fonte equina como a de suas antepassadas.

A musa fora contratada para inspirar os participantes de uma oficina literária que acontecia ali perto. Mas, ao entrar no local, viu que não daria certo.

Uma filha de Apolo não consegue trabalhar sem luz. E na sala não havia luz. Quer dizer, havia, mas era uma luz fria, fraca, triste. Uma luz de repartição pública, de quarto de hotel barato. E também não tinha água. Nem um bebedouro, nem um galãozinho de Ouro Fino.

Sem água limpa, sem luz boa e amarela, o que fazer?

Nada. Ao menos naquele dia, os alunos teriam que se virar sem inspiração. Ela explicaria a situação no relatório e o chefe pensaria em algo para o encontro seguinte.

Como não podia simplesmente ir embora, a musa largou a bolsa e arriou em uma cadeira. Tentou relaxar, mas estranhou a inatividade. Depois cochilou um pouco. Acordou. E se ajeitou no assento.

Decidiu não falar nada no relatório. Désolé, pas de muse pra esse pessoal. Aproveitaria a oficina para s’amuser um pouco também.

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